10 junho 2016

A estéril discussão do melhor ou pior estilo – um olhar sobre as modas e quanto delas é que está em “jogo”


Num ano em que voltamos a ter Diego Simeone como líder de uma equipa finalista na Liga dos Campeões Europeus, multiplicaram-se mais uma vez as publicações de cibernautas aludindo / questionando quanto do sucesso do Atlético de Madrid deriva da liderança carismática que acreditamos, à distância, este treinador exerce sobre os seus jogadores.

Por outro lado, assistimos também a um confronto de opiniões relativamente ao jogar de determinadas equipas, numa luta acesa entre aqueles que não consideraram o Atlético de Madrid um justo finalista europeu e aqueles que reconhecem mérito e competência ao desenvolvimento de um jogar próprio e personalizado desta equipa. No primeiro grupo de arguentes, os principais argumentos passaram por algo do género: “o Atlético defende 90% do jogo / o Atlético joga instalado no seu terço defensivo do campo / o Atlético tem uma construção de jogo feia / etc...

Estes dois primeiros parágrafos, que versam os tópicos liderança e forma de jogar são o ponto de partida da minha reflexão/opinião relativamente ao sucesso do Atlético de Madrid.

No que diz respeito à liderança, existe uma certa consensualidade, com a qual concordo, no sentido de que o líder mais eficaz será aquele que não se limita a agir de acordo com um único estilo de liderança, mas que adapta o seu estilo sempre em função da situação e do contexto onde está inserido.

Procurando fazer uma ponte para o âmbito do treino desportivo, um líder deverá ter algumas características para que no desempenho da sua função consiga ser profícuo. Partilho da opinião de Tzu (2011) no sentido de que um líder deverá ter as virtudes da sabedoria, da benevolência, da coragem e do rigor. Concordo também com Barbosa (2014) no sentido de que a operacionalização da liderança, obviamente que enquadrada no quadro das necessidades do contexto em que estamos inseridos, é vital para o sucesso.

Partindo da ideia apresentada por Tzu (2011) relativamente à liderança de um comandante militar sobre as tropas, Vitória (2014) numa analogia com a mesma expressa o pensamento de que, para que os jogadores sigam o seu líder e seu treinador, têm de primeiro e acima de tudo acreditar nele.  Ou seja, uma das características que nos parece relevante num Líder é a coerência.

Relativamente à exerção de uma liderança sobre uma equipa, Simeone (2015) adverte-nos para um aspecto importante; os jogadores o que querem é um saber concreto, que lhes falemos de algo que lhes interessa, que sejamos capazes de chegar a eles e entrar-lhes na mente para lhes provocar uma reacção e uma identificação que é necessária para que exista um bom funcionamento dentro do grupo.

A função de liderar é vasta, implica uma visão. Das funções inerentes a um líder consideramos também a implementação de obrigações dentro do grupo, definição de códigos de conduta, controlo dos processos, profundo conhecimento dos liderados no sentido de poder tomar boas decisões e no momento certo, ou seja, também gerir conflitos (Barbosa, 2014).

Num planeta em que o futebol é um outro mundo à parte, de grandes impactos emocionais onde habitam os heróis dos nossos tempos, os líderes têm também um papel de enorme relevo na sociedade (Valdano, 2013). Segundo o mesmo autor, os grandes líderes têm de crer em si mesmos por cima de qualquer receita possível, partindo toda a sua convicção de uma tremenda força interior que contagia os liderados.

Tendo por base este pequeno enquadramento inicial, acredito que aplicar o mesmo medicamento (estilo) em duas patologias (contextos) completamente diferentes poderá ter efeitos inesperados e até mesmo adversos. Por conseguinte e reconhecendo algumas características de Simeone, faço uma questão: seria fácil (dadas as suas características) assumir a liderança de jogadores estrelados como Cristiano Ronaldo, Messi, Neymar, etc.? Na minha opinião, será tremendamente complicado. Não impossível, mas altamente improvável. Do que podemos constatar por fora do seu trabalho, um dos principais valores que este treinador incute nos seus jogadores, é a colocação do símbolo do clube por cima de qualquer ego, para lá de qualquer contrato publicitário. E já existiram vários jogadores (Mandzukic, por exemplo), que não compreenderam esta premissa e tiveram de procurar outras paragens.

Contudo, neste momento, e porque a ciência não está evoluída a esse ponto, não nos é possível mensurar quanto da sua liderança influência os resultados desportivos da sua equipa. Podemos sim comprovar (lendo os seus livros inclusive), que a sua paixão quase que insana pelo Atlético e pelo futebol contagiou de tal maneira jogadores e adeptos que uns e outros “morrem” pelos seus valores.
Tendo por base o exposto e entrando dentro da forma de jogar do Atlético de Madrid, compreendemos como ponto de partida que seria impensável dadas as características de líder de Simeone, ter ao seu dispor jogadores como Messi, Ronaldo, Ibrahimovic, etc. Por outro lado essa impossibilidade também advém das diferenças orçamentais entre o seu clube  e os outros. E muitos dirão: serão assim tantas as diferenças de orçamentos? Quanto a mim, acredito que sejam tremendas.
Tendo em conta esta realidade, e utilizando uma expressão da gíria portuguesa, não me parece de todo descabido que não tendo cão, se possa caçar com gato. Explicando, se não tenho condições financeiras / interesse para ter determinadas estrelas no meu plantel, estou automaticamente condenado a não lutar pelos 3 primeiros lugares das competições onde estou? Na minha opinião, claro que não! Daí que o jogo esteja permanentemente a ser reinventado.

Ao longo da última década os nossos olhos foram aculturados / hipnotizados por um tipo de jogo que privilegiava a passe de bola, com algumas equipas idolatradas que realizavam de 500 a 700 passes num jogo. Mas só assim é que o futebol é bonito? Só assim é que é válido? Mais uma vez na minha opinião o “jogar” do Atlético de Madrid é absolutamente legal, válido e compreensível. Não tendo os médios mais criativos do mundo, não tendo os avançados mais mortíferos do mundo, não posso querer jogar como quem os tem!

O jogo está dividido em 4 momentos (também reconhecido por alguns autores como fases + transições). O que, na minha opinião, o Atlético de Madrid construiu, é um hino ao momento de organização defensiva e um hino aos momentos de transição. E isto é jogo. Isto também é estético. E isso é fruto de um treino absolutamente competente que transforma o sucesso alcançado numa conquista absolutamente legítima.

Em jeito de conclusão, acredito que o Atlético de Madrid é exemplo (como o Leicester) da reinvenção do futebol, do sucesso de uma ideia de jogo, do contrariar a predestinação. E não enveredo pelo caminho sinuoso do afirmar que é uma vitória de um jogo “físico e de contacto” sobre o jogo “táctico e estético”. Pelo contrário, na minha opinião é precisamente o resultado de um trabalho / estudo táctico absolutamente competente. Diria, fazer omeletes deliciosas sem ter ovos gourmet!


Filipe Rodrigues

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